A garota indonésia

 O romance A garota indonésia foi lançado em 2016. Suas novas edições impressa e digital (para Kindle), estão disponíveis  no site da Amazon.


 Leia trecho de A garota indonésia

 
A garota indonésia. Enquanto atravesso a garagem em direção à portaria, imagino pela milésima vez como ela deve ser. Nestes dias, a figura que me vem à mente é a de uma guerrilheira de feições vietnamitas, tristonha em sua cabana, tocando uma flauta de bambu enquanto espera o homem amado voltar de alguma incursão em terreno inimigo. Não posso deixar de sorrir. A imagem é tão banal quanto a que cultivei algumas semanas atrás, a de uma vestal que toca flauta rodeada por membros de sua tribo. A verdade é que me parece impossível dissociar essa moça do prédio, provavelmente uma estudante ou musicista profissional, da verdadeira garota indonésia, a que conheci numa remota ilha do Oceano Índico por ocasião de uma de minhas pouquíssimas viagens ao estrangeiro. E, como sempre acontece quando tento construir a imagem de minha vizinha flautista, aquela semana mágica me volta à mente feito um filme visto há muitos anos, do qual nos restam apenas alguns pedaços cá e lá e uma sensação indelével.

Paro, acendo um cigarro num canto escuro da garagem e me transporto de novo àquela ilha pertencente a lendas de piratas, repleta de florestas, com algumas poucas cabanas e um minúsculo ancoradouro. O curioso é que não consigo lembrar como fui parar ali, o que certamente contribui para incrementar a magia do acontecido. Só sei que, de repente, estava num vilarejo qualquer da Indonésia, sem nada para fazer e louco para voltar para casa. Enquanto esperava – o quê? –, tinha de me contentar em andar pela praia para matar o tempo. Por sorte, as noites da ilha eram no mínimo belíssimas e estranhas, com uma lua tão grande e tão baixa que, dependendo do horário e do ângulo de visão, parecia estar caindo no mar.


Tenho clara na memória certa noite em que fui até o mar para espantar o tédio. A praia deserta, a lua imensa boiando no céu e o mar, calmo e acolhedor como um lago adormecido. Lembro de ter me sentado na areia e de ter sido invadido por uma tristeza inexplicável, uma angústia de náufrago, de alguém que se sabe perdido e dado como morto. E de, saindo do nada, terem chegado por trás de mim umas moças meio selvagens, que me cercaram e ficaram me olhando com expressão curiosa, como se eu pertencesse a alguma espécie desconhecida.


Uma delas tirou uma flauta de madeira de um tipo de embornal que trazia a tiracolo e, rodeada pelas companheiras, tocou a música mais estranha e triste que eu já escutara na vida. A mesma música que agora ouço em meu prédio! Mas não foi só isso. Enquanto a moça tocava, as outras dançavam, com movimentos ondulantes que faziam pensar em serpentes moribundas. Quando parou de tocar, a flautista chegou bem perto de mim, pôs a mão na minha cabeça, disse em sua língua umas palavras suaves e me deu um beijo quente e molhado. E do mesmo jeito que chegaram, as moças partiram para dentro da mata, para o nada de onde haviam surgido.




 

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