"... uma voz literária marcante, típica de uma geração e de um estado de espírito"

A garota indonésia
Por Roberto Amado, escritor finalista do Prêmio Jabuti.

(Crítica publicada originalmente em junho de 2016 no site Poucas Palavras)

Em meio a essa aridez cultural em que vivemos, produzida por embates políticos cruciais, crise econômica e retraimento dos poucos recursos destinados à cultura, e principalmente, à literatura, é bom saber que nem tudo parado. Por vocação, por falta de opção ou por teimosia, há quem ainda invista tempo, energia e, às vezes, até minguadas economias para se aventurar no universo cultural e tentar produzir alguma coisa legal. É o caso de Henrique Ostronoff, que montou a Editora 8 em Sorocaba para publicar livros nos quais acredita. O primeiro deles é o “A Garota Indonésia”, de Alberto Mawakdiye, que pode muito bem representar esse esforço que se situa na tênue fronteira entre o sonho e a realidade. A história do livro é, na verdade, um exemplo desse estreito universo entre o virtual e o real, muito típico da sociedade contemporânea e suas inquietações. O personagem Miguel Mastrorrossa, que poderia ser um alterego do autor ou de muitos leitores, é um escrevinhador  de ofício bastante sufocado pela vida, muito embora pareça tudo bem: está prestes a se casar com uma mulher bonita, atenciosa e batalhadora, se vira no seu trabalho, ainda que esteja sempre sob riscos, e não convive com pressões maiores a não ser seus próprios desejos. A saída é imaginar uma cena idílica, utópica, irreal: a existência de uma beldade vinda da Indonésia que toca uma flauta como se fosse um anjo — e só Miguel pode ouvi-la.

O desenrolar da história, escrita na primeira pessoa, é por meio de uma voz literária marcante, típica de uma geração e de um estado de espírito. Um certo cinismo depressivo em relação à vida que marcou algumas gerações de escritores, principalmente aquela mais ativa nos anos 1980. E de certa maneira é possível arriscar uma relação, mais amorosa do que técnica, com a geração beatnik , que desbravou um terreno inóspito para que a contra cultura pudesse se proliferar integralmente. 

Quem sabe a retomada dessa voz tão poderosa possa nos indicar o resgate de um veio cultural importante e prazeroso nesse deserto de ousadias e novidades.



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