O parque

Definitivamente, a arte da fotografia não é para qualquer um. Vejo que Tomás e Arlete estão saindo de novo para fotografar. Eles adoram fotografar o parque que existe em frente ao prédio, embora o parque não tenha árvores nem flores bonitas, e o verde seja descolorido, e haja tantos mendigos dormindo nos bancos. Mas eles adoram fotografar este parque. Parece-me que, nas últimas semanas, o parque tornou-se o seu único tema. A arte da fotografia não é para qualquer um. É preciso mesmo um pouco de obsessão.

Lá vão eles, carregando os equipamentos para dentro do parque. Não há dúvida de que eles sabem trabalhar. Primeiro, eles escolhem o alvo. Montam o equipamento sobre um tripé, pois eles trabalham com tripé, como em um estúdio, mesmo que o cenário seja ao ar livre. Depois, passam longos minutos, por vezes quase uma hora, ajustando a distância, as lentes, a iluminação. Tomás é o maestro; Arlete, a executante. É de dar gosto observar como ele sabe dar o tom e o andamento e como Arlete sabe cumpri-los. Não há um gesto de Tomás que não seja redondo, profissional. E Arlete sabe como ninguém mover a máquina para cá e para lá, com movimentos tão rápidos quanto precisos, como uma gata brincando com os novelos, feliz por ser tão eficiente.

Não estou exagerando: a coisa realmente flui. É de alta musicalidade. Daqui dá para ver que eles finalmente acertaram o foco: estão fotografando uma grande cesta de lixo dentro da qual alguém jogou um velho guarda-sol. É um solitário guarda-sol dentro de uma grande cesta de lixo. Definitivamente, a arte da fotografia não é para qualquer um. É preciso um pouco de obsessão. Não sei se era o tipo da coisa que merecia ser fotografada. Um guarda-sol jogado dentro de uma cesta de lixo num parque sujo da cidade. Mas eles o estão fotografando. Devem ter as suas razões.

Bem, parece já que encerraram o expediente. Foi apenas um foto, hoje. Mas que eles devem acreditar de grande valor artístico, sentimental. Atravessam a rua de volta para o prédio enlaçados como um casal de namorados, rindo, felizes e tranquilos. Nunca tive coragem de perguntar o que eles pretendem fazer com tantas fotografias daquele parque. Mas o que importa? O que sei é que não vejo nada de extraordinário no parque, a não ser a sua enorme feiúra e sujeira. Passo, no entanto, muitas horas por semana debruçado à janela olhando para ele. Tomás e Arlete devem compreender profundamente a diferença entre viver e não viver. E devem sofrer muito com isso.

* Este poema é parte de O Mapa-múndi aos pés da cama. Você pode baixar o livro inteiro em PDF. Clique aqui

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