A garçonete de olhos de
espantalho estava demorando demais para atendê-lo. Ele estava com fome, e só
tinha aquela garçonete em serviço. Como ele era também o único cliente àquela
hora, a demora parecia-lhe injustificável. A moça estava mais interessada em pregar
um papel qualquer num mural que existia perto do caixa.
“Moça, por favor”, ele implorou,
pela quarta ou quinta vez, mas agora com uma voz alta e já um pouco eriçada de
irritação.
A garçonete, enfim, olhou para
ele, e ele pôde confirmar que os olhos dela eram, de fato, bastante
esbugalhados. O cabelo era também um pouco desgrenhado. Mas não dava para dizer
que ela era feia. Pelo contrário: lembrou-lhe antes uma daquelas moças do
interior que participam de concurso de miss, perdem, e depois relaxam. O
uniforme ficava bem nela, realçando as curvas e os seios.
“Só um minutinho”, ela respondeu,
lançando-lhe um sorriso protocolar. “Já vou atender”.
Ele suspirou. O jeito era ter
paciência. A gente não pode exigir muito nessas cidades pequenas. Tamborilando a
mesa, olhou através da grande janela envidraçada para ver se a chuva estava com
jeito de parar. Não estava. Agora, chovia ainda mais do que antes. Como faria
para voltar ao hotel? Bem, resolveria isto depois. O importante agora era
comer. Estava morrendo de fome.
Estava também com um pouco de
frio. Como toda lanchonete, aquela tinha sido forrada do piso ao teto de
lajotas e azulejos, um ambiente gélido e inóspito que ele mais temia do que
detestava. Não sabia por que, achava que eram iguais ao quarto que um dia
ocuparia no Inferno. “De quente, o Inferno só tem as cores”, tentou uma vez
explicar para um amigo. Evitava as lanchonetes também por causa das mesas de
fórmica: “Muito feias”. Gostava mesmo era dos bares acarpetados e com mesas de
madeira de lei, e se possível com lareira.
Mas agora estava numa lanchonete
numa cidade do interior numa noite de chuva morrendo de fome, e quase
implorando para a garçonete de olhos esbugalhados parar de pregar aquele diabo
de aviso no mural e vir servi-lo. Encolhido de frio, ele olhou de novo para a
chuva. Que graça tem a gente ficar olhando pra chuva? É sempre a mesma, se a
gente pensar bem, só muda a intensidade. Pensou que no hotel devia ter lençóis
limpos no quarto, uma cama quentinha, talvez revistas velhas no armário. Valia
a pena caminhar até lá depois do jantar com chuva e tudo, chegar todo molhado,
tomar um banho quente e cair na cama.
Mas
antes precisava comer. E nada daquela garçonete de olhos de espantalho
dignar-se a atendê-lo. Perdeu a paciência e foi ter com ela junto do mural. Ela
tinha terminado o serviço e estava com os braços em posição de açucareiro,
admirando o que parecia ser uma notícia de jornal. Curioso, aproximou-se para
ler o que o recorte dizia. A surpresa de ver a sua fotografia no recorte, assassinado
num quarto de hotel, foi-lhe tão surpreendente quanto a data da notícia, a
noite do dia anterior. Então estava certo, o Inferno era mesmo uma lanchonete
forrada de azulejos.
* Este conto é parte do livro Arboredo. Você pode baixá-lo inteiro em PDF. Clique aqui
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