A esperança

Ninguém a chama pelo nome

Pois o nome parece não combinar com ela

 

O nome verdadeiro dela lembra voo de pássaros

Desenhos infantis nas paredes do quintal

A reza da tia velha que conseguiu se curar da bexiga

 

Mas também lembra a pobreza indecente

 

O presidiário irremediavelmente triste por se saber inocente

E foi condenado porque era apenas um tolo

 

O soldado desesperado à espera da ofensiva

Em que sabe irá morrer

 

O nome verdadeiro dela

Tão bonito e evocativo

Faz a gente desviar os olhos para o mar


E em silêncio discreto

Chorar de perdão e de bondade

 

Mas também gemer de pânico e de horror

 

Esperança!

Que nome tão belo e tão sonoro

 

Mas também tão escuro!

 

Pede para mirarmos o céu com os olhos bem abertos

Arregalados em louvor

 

Mas com medo de as nuvens pingarem sobre nós

O ácido destilado das lágrimas do mundo

Que irá nos cegar de uma gota a outra

 

Por isso nunca ousamos chamá-la pelo nome

 

Nunca olhamos para o céu

Nunca olhamos para o mar

 

 

Pois embora seja tão bonita

Com a cabeleira sempre ajeitada pelo vento

 

Ela é a própria Medusa que traz cobras

Enroladas no cabelo

 

E se a chamamos pelo nome

Olha para nós com o amoroso olhar vítreo que se quebra

Ao mesmo tempo em que nos desfaz em mil pedaços

 

Ela comunga com os répteis e os enjeitados

Com as flores carnívoras

Mortas de fome nessa temporada sem insetos

 

Com as drogas dos frutos que não se entregaram à gula do homem

 

Ela caminha sempre sozinha

Bêbada de flores e de sono

Com o rosto sonhador de quem não despertou

Ainda

 

Nunca olhando diretamente para nós

 

Mas pegando com as mãos as folhas que caem da lua

Antes que se entranhem pelo chão

 

Ela sempre ruma com a sua garrafa

Para a beira do barranco

 

Precipício

Onde já morreram tantos

Talvez de suicídio

 

Gritando pelo nome verdadeiro dela

Mas sabendo

 

Que era totalmente em vão


* Este poema é parte de A mulher dos cabelos de corda. Você pode baixar o livro inteiro em PDF. Clique aqui

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